domingo, 4 de maio de 2014

Diário de Processo #1 - Primeiros Encontros

   Os encontros para a criação de O Arquiteto e o Imperador da Assíria iniciaram logo após o carnaval. Já conhecia Oração, Fando e Lis e Piquenique no Front do dramaturgo espanhol Fernando Arrabal, mas O Arquiteto, como convencionamos chamá-la por motivos práticos, despertou algo especial em todos nós que não sabíamos exatamente o quê.
   À primeira vista, o texto parecia propor um dinamismo ao ator, sugerindo um espetáculo cheio de cores e malabarismos, ágil e pautado nos jogos de atuação. Essa sensação não se manteve após algumas leituras. O material que tínhamos parecia nos pedir calma, que escutássemos um pouco antes de falar.
   Nossos primeiros ensaios foram todos na UNIRIO, no Rio de Janeiro. O projeto foi abraçado pelo curso de Atuação Cênica da Universidade sob tutela e orientação da Profª. Cristina Brito. Eu, Marcela e Ritcheli já tínhamos sido alunos da Cristina em duas matérias: Atuação III e Artaud I. Além de ser uma pessoa de incrível sensibilidade, as pesquisas da professora seria de grande valia dentro do projeto. Percebíamos nas leituras do texto que as questões do teatro de Artaud (o ator, o duplo, o teatro e a metafísica) precisariam estar presentes nessa peça.
   Durante algumas semanas trabalhamos exaustivamente no estudo do texto. Fizemos diversas leituras procurando nos aproximar do material que tínhamos. Foi um tempo também para muitas especulações. O que pensávamos sobre a peça; sobre as personagens; o que achávamos que acontecia de verdade na trama; qual era a naturezas das relações; e a mais torturante indagação, o que queríamos com tudo isso. Criávamos novas ideias sobre tudo a cada encontro e qualquer tentativa de largar o texto para tomar o espaço parecia bastante desconfortável. O trabalho de procurar no google os termos do texto que desconhecíamos foi também fascinante. Arrabal é um homem muito culto, e escondeu em seu texto diversas referências das artes e da história do mundo de maneira muito especial. Uma palavra ou expressão que desconhecíamos, revelava um universo com cor, imagem, som e história.
   Trabalhamos também durante esse período alguns exercícios físicos. Basicamente alongamentos, e alguns jogos de aproximação corporal, em outras palavras, procuramos "suar um pouco" juntos. O medo do corpo do outro costuma gerar algumas resistências engraçadas como um abraço onde os sexos ficam separados, ou mãos e pés retorcidos. Lembra um pouco o medo virginal. Determinamos alguns pontos a serem trabalhados na segunda fase do trabalho: alongamento; rolamento; elementos da natureza (resitências e dinâmicas corporais) e impulso. 
   A voz é também uma questão intrigante no processo desde as primeiras leituras. A peça é entrecortada por muitas vozes. São apenas duas personagens, mas muitas vozes de pessoas que já não estão mais ali. Sabíamos que não era questão de criar sub-personagens, mas encontrar em um mesmo corpo diversas maneiras de se manifestar. Algo próximo do que acontece com o possesso. Decidimos que trabalharíamos com ressonância. A ideia consiste em ligar a voz com o interior. Quando penso em interior, penso em algo concreto: rins, fígado, coração, ânus. Como se precisássemos abrir caminho para que a voz que grita no calcanhar chegue à terra. É a sensação que tenho com os trabalhos de ressonância, que elas saem de algum lugar do corpo e escapam pela boca, trazendo a textura e os odores de onde veio. Não é um trabalho de anatomia, claro, é basicamente imaginação. Mas uma imaginação concreta. Para o trabalho de voz, a Profª. Jane Celeste está nos acompanhando, trazendo alguns exercícios preparados especialmente para o trabalho.

Levantar, ruir, e esperar a poeira baixar. São os destroços o que nos interessa.

Diêgo Deleon

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